Exposição contínua a ruídos é a principal causa do problema; médicos recomendam cuidados redobrados durante a Copa
Entrar no ônibus, colocar os fones de ouvido e a música no máximo. Uma ação tão simples e corriqueira, mas que pode significar perigos para a saúde auditiva de quem abusa do volume alto. De acordo com dados de 2015, da Sociedade Brasileira de Otologia, cerca de 30% a 35% dos casos de perda de audição são consequência de exposição contínua a ruídos. Antes, ficar exposto a sons muito altos era comum somente em pessoas que trabalhavam diretamente com barulho, como produtores musicais, editores de áudio e operários. Hoje tudo mudou, principalmente entre os jovens, que não largam dos fones.
"Era muito barulho. Quando finalmente você tem noção, já está com perda de audição e aí não tem mais como recuperar", conta Luiz Rossi, trabalhador que começou a sofrer de PAIR depois de anos trabalhando sem EPI's.
A especialista em otologia do Instituto Brasiliense de Otorrinolaringologia (IBORL) Liane Teixeira, 33, explica que a exposição a sons acima de 85 decibéis, o que equivale ao barulho de um aspirador de pó, por pelo menos oito horas diárias, aumenta o risco de se adquirir a Perda Auditiva Induzida por Ruído (PAIR). A médica ressalta que não são apenas as longas exposições que levam aos problemas auditivos. "Grandes shows também são agentes causadores", completa.
O operador de máquinas Luiz Rossi, 54, começou a ter os sintomas da PAIR aos 30 anos. "Foi quando eu percebi que estava assistindo televisão no último volume e falando muito alto". Nessa época, Luiz conta que não eram disponibilizados os protetores auriculares na fábrica. Ele só descobriu que tinha dificuldade em ouvir no exame admissional da empresa onde trabalha hoje. Para Rossi, é difícil reconhecer o problema. "Era muito barulho. Quando finalmente você tem noção, já está com perda de audição e aí não tem mais como recuperar", conta.
GERAÇÃO SEM OUVIR
Em 2016, pesquisadores da Associação de Pesquisa Interdisciplinar e Divulgação do Zumbido (APIDIZ), entidade ligada à FAPESP, constataram que o hábito de usar fones de ouvido e frequentar locais como shows e danceterias tem aumentando número de jovens com zumbido nos ouvidos, um dos sintomas da perda auditiva. É o que comprova o estudante de Física Davi Cruz, 21, que tem perda auditiva no lado direito. "Sempre usei fones de ouvido em volume muito alto, seja para ouvir música ou jogar." Hoje, rindo da situação, diz que só tem dificuldade de escutar do lado direito porque quebrou o lado esquerdo do fone.
O estudante conta que sente a perda da audição no dia a dia, em conversas com amigos, por exemplo. "Às vezes preciso pedir para a pessoa repetir umas duas, três vezes a frase", diz. Mesmo com a dificuldade em ouvir, Davi afirma manter os maus hábitos, principalmente relacionados à música, em locais muito barulhentos. "No ônibus lotado costumo aumentar o som. Já em casa, tento me controlar".
Segundo a otorrina Liane Teixeira, a perda auditiva é para sempre. "Para isso não acontecer a única forma é a prevenção, com o uso de protetores auriculares próximo a ruídos de alta intensidade", diz. Já para os jovens que gostam de fones de ouvido, como Davi, Liane recomenda que o volume não ultrapasse a metade da potência máxima do aparelho. Além disso, é importante procurar um médico para comprovar a dificuldade em ouvir e seguir com os exames de audiometria e tratamento. "Assim que a PAIR for diagnosticada, o indivíduo deve parar com a exposição aos sons altos", recomenda.
CUIDADOS NA COPA DO MUNDO
Em 2014, durante o Mundial no Brasil, a Associação Brasileira do Consumidor (PROTESTE) e a Sociedade Brasileira de Otologia (SBO) mediram a intensidade de artigos para torcida, como apitos, cornetas, vuvuzelas, vendidos nos principais comércios do Rio de janeiro e São Paulo. A pesquisa constatou que apenas nove dos 31 objetos analisados emitiam menos de 120 decibéis - o limite confortável para a audição humana é de 85 decibéis.
Para não ficar de fora da torcida, especialistas da SBO indicam o uso de protetores auriculares durante as partidas. Além disso, fazer intervalos de 10 minutos a cada uma hora de jogo também é aconselhável. Em caso de sair do estádio ou de bares com zumbido no ouvido, e ele permanecer no dia seguinte, é preciso procurar um otorrino, já que pode ter tido comprometimento do sistema auditivo temporário ou permanente. O resultado da pesquisa da PROTESTE e SBO pode ser acessado no site da Sociedade Brasileira de Otologia.
*Esta matéria foi publicada originalmente no Portal do Rudge Ramos Online
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